Carcomida

Poema do livro novo. Em breve nas mais marginais das livrarias... ou carcomido pela crítica roedora dos ratos e baratas. 
Aguardem!

A boca aberta e a colher ameaçadora.

A boca aberta e a farinha, o arroz e o feijão duros, brutos, caros!

A boca aberta e a água suja, mercúrio, bílis, amarga.

A boca aberta e o prato ralo, raso, de marrom transparente, frio e duro.

O olhos rijos e o medo ao lado, em volta, atrás, acima, abaixo, dentro, fora, frio, transparente, onipresente!

Os olhos rijos e o desespero calmo, ciente de que ele mantém o controle.

Os olhos rijos e incrédulos, a realidade crédula e realista.

O corpo imóvel e o mundo dissolvendo, ao lado, abaixo, acima, dentro e fora.

Os ouvidos estourados do grito seco, que agora é mudo, mas ainda fala, mas ainda grita e treme o chão e esmaga o dorso, os ossos e a carne e explode a cabeça.

O nariz seco, empoeirado, sujo, enxofre, fumaça, congestionado, poluído, morto.

A pele pasma, não dói, não arde, esquálida, morta, escama, poeira, pó.

A boca aberta e a farinha, o arroz e o feijão duros, brutos, caros, adentro…

A boca aberta e faminta que come, mas não sente.

A boca aberta que come e grita, mas não fala, não berra, não sente…

A boca aberta é o abismo.

À boca aberta cai o vil alimento, matéria prima, commodities, madeira, ferrovias, portos, ouro, bauxita, soja, gado, laranja, alumínio, enxofre, café, gasolina, petróleo, argamassa, automóveis, rodovias, aeroportos, hidroelétricas, nióbio, motosserras, gás, montanhas derretidas, rios poluídos, cana, borracha, latifúndios, chacinas, camburões, viaturas, favelas, garimpos, milícias, fascistas, empreendedorismos, apps, carvoarias, transmissores e componentes, foguetes…

Todos os atos geram desespero.

E o desespero gera a boca aberta, escancarada, que come… carcomida!

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