Do carimbó ao brega

Nos anos 1970, quando o carimbó havia transbordado das margens e acessado a indústria cultural local e em parte a nacional, o gênero tornou-se popular nas festas jovens da época. Do “pau-e-corda” ao carimbó “eletrônico”, de Verequete a Pinduca, tudo rolava nas festas do São Domingos à Assembleia Paraense.

Paralelamente, os “sonoros”, depois conhecidos como “aparelhagens”, que têm sua história remota em 1941 (com as “rádios de subúrbio”), tocavam gêneros “latinos”, sambas abolerados, jovem guarda, “música cafona” (termo comum nos anos 1970) e depois o “brega” (termo que vai substituir o termo “cafona”, nos anos 1980). E as mesmas aparelhagens tocavam sem parar, também, o carimbó.

Nessa época, alguns “conjuntos”, que animavam as festas periféricas, colocam em seu menu: cobertura sonora do evento festivo com “conjunto de carimbó” pau-e-corda e, se o cliente desejasse, com som mecânico.

Alguns reclamavam, outros gostavam desse estilo ou daquele, mas todos os sons vinham da mesma origem: as culturas periféricas de Belém do Pará, como território de incorporação e posterior (re)di-fusão dos vários tipos musicais do “povão” (inclusive do povão latino-americano).

Nós dois casos, carimbó e “música povão” ou “brega”, alguns artistas conseguiram por um tempo acessar a indústria cultural local (circuito de aparelhagens, rádios, TVs e gravadoras, como a Gravasom) e nacional, marcando seus nomes na tradição popular folclorizada ou na tradição popular-povão. Mas muitos outros, a maioria, permaneceram num circuito local e periférico: fazendo carimbós nos terreiros de chão batido ou fazendo a cobertura sonora nas gafieiras da periferia, tocando em barzinhos ou animando festas com músicas da moda do momento (tradição essa que vem dos grupos de “jazes”, passando pelas “bandas de baile”, “conjuntos” até o voz e teclado).

Mestre Vieira, por exemplo, tocou chorinho nos anos 1950, quando era o “Joaquim do Bandolim”, teve aparelhagem nos anos 1970 (aproximadamente) e criou um estilo popular-povão/música de gafieira que mais tarde seria chamado de “guitarrada” (hoje cultuado pelas vanguardas). Mas em sua época esteve quase sempre na margem da indústria cultural nacional, apesar de imerso na média indústria local.

Pinduca, idem: de maraqueiro/ritmista de banguês e conjuntos em Igarapé-Miri à “rei do carimbó” (“moderno”) e produtor musical de inúmeros bregueiros dos anos 1980, na Gravasom.

Verequete fazia samba e todos os gêneros que circulavam nas rádios, discos e “eletricidade”, além do “legítimo carimbó”; assim como o Mestre Cupijó, que se criou ouvindo “mambo” das “rádios cubanas” que chegavam a Cametá, além de ter “eletrificado” e “modernizado” os tambores afroameríndios que conformariam o siriá.

Moral da história: a cultura musical popular e das margens é o caldeirão de onde vem o carimbó, pau-e-corda e o “elétrico”, os sonoros e as aparelhagens (as sound systems que aqui são, talvez, mais antigas que na Jamaica), lambadas, guitarradas e siriás, bregas, tecnobregas e melodys, as pequenas aparelhagens que são transportadas de popopô nos riozinhos da Amazônia até as poucas “grandes aparelhagens”, que constituem apenas uma fração da indústria cultural local.

Por isso, cuidado, pois pode acontecer de você estar tomando uma breja no Ver-O-Peso, dis-traído pelas pulsações da música que o povo cria, e o “controlista” malandramente tocar de Verequete à Vieira, de Solano à Chimbinha, passando pelo Felipe Cordeiro, mandando um “ao por do sol”, um “gererê”, Gaby Amarantos e Dona Onete… e você pode nem perceber que curtiu tudo isso… E que a cerveja estava estupidamente gelada e que, ao final, tudo combinou!

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