O homem que parou.

Um belo dia e o homem cansou de andar.

Resolveu então parar. E parou.

Parou no meio da avenida movimentada. No meio da cidade.

Simplesmente parou.

No primeiro dia até que não chamou atenção.

Pessoas iam e vinham apressadas e alguém parado no meio da rua não incomodava de imediato a ninguém.

Na verdade, incomodava um pouco, principalmente os carros que passavam apressados levando pessoas de um lado a outro da cidade, como se o mais importante fosse ir simplesmente, mesmo que não se soubesse para onde.

Todavia, como era de se esperar, de tanta pressa que estavam as pessoas nos carros – preocupadas em ir, chegar e voltar – nenhuma teve tempo ou vontade para parar e retirar o homem que havia parado no meio da rua.

Nem tampouco o guarda de trânsito parecia se incomodar.

Na verdade, se aborrecia com aquela situação, pois o homem parado, bem no meio da rua movimentada, atrapalhava o trânsito e, pior ainda, estava parado. Parado, absolutamente parado, sem se mover, nem sequer piscar!

Apesar do incomodo, o guarda preferiu não parar o que estava fazendo: apitar insistentemente para que os carros apressados ficassem com mais pressa ainda e não parassem o trânsito – o que poderia prejudicar aqueles que queriam ir ou aqueles que queriam vir naquela bela manhã ensolarada.

Fazia bem pouco tempo que o guarda havia assumido aquela profissão. Havia se dedicado muito para um dia ser um guarda de trânsito e não permitiria, em hipótese alguma, que o trânsito parasse. O guarda era um homem de valor, integro e honesto como poucos hoje em dia. Além do dever da profissão sabia também, por sua experiência no marcar das horas e no observar o vai e vem dos carros, que a qualquer momento, apressado e atento, o fiscal de guardas passaria para fiscalizá-lo.

O fiscal de guardas trabalhava nessa profissão há décadas e sempre foi visto pelos mais novos como exemplo a ser seguido. Fiscalizava mais de uma centena de guardas em toda a cidade e ao chegar a cada ponto de fiscalização era enérgico em exigir habilidade, rapidez e constância no trabalho de apitar do guardas, de modo que sua missão – que era a de não deixar o trânsito parar, para atender as pessoas que vinham e que iam – fosse cumprida com rigor.

O guarda sabia que se parasse de apitar e fosse verificar o homem parado poderia ser pego de surpresa pelo fiscal e poderia, quem sabe, até ser rebaixado para outro cargo menos importante.

Nos primeiros dias a situação correu de forma relativamente normal. O trânsito da cidade não andava muito bem mesmo e, talvez, como resultado dos relatórios semanais, poder-se-ia culpar a grande quantidade de pessoas indo e vindo, sempre para os mesmos lugares, como motivo maior dos constantes engarrafamentos.

Acontece que a estranha situação começou a incomodar as pessoas que passavam todos os dias por aquela movimentada rua. Começaram a perceber que, por mais estranho que pudesse parecer, aquele homem não parecia ir para lugar nenhum.

Num primeiro momento, pensou-se que poderia ser alguém que pegou um atalho errado e acabou se perdendo. Pensou-se também que poderia ser um homem, perdendo alguns minutos de seu precioso tempo, pensando em estratégias perspicazes de no dia seguinte buscar caminhos mais inteligentes e rápidos para se chegar aonde ele queria ir, ou voltar – e desta maneira chegaria sempre mais rápido e recuperaria em poucas idas e vindas o tempo que perdeu ao parar e ficar pensando. Seria uma atitude um pouco arriscada, mas que poderia dar certo em médio prazo.

Tudo o que parecia ser não era e o homem parado continuava ali parado e parado, dias seguidos de dias, semanas seguidas de semanas.

A notícia começou a se espalhar pela cidade. De todos os lados corriam boatos sobre quem poderia ser o misterioso homem parado no meio da avenida. Uns diziam que era um louco, outros diziam que era apenas um poste de iluminação pública, uma estátua, um monumento… O que os defensores desta tese não conseguiam explicar era o motivo de terem colocado um poste ou uma estátua bem no meio da rua.

Algumas pessoas pensaram em fazer um sinal, um aviso, para o guarda e outras pensaram em descer do carro e verificarem elas mesmas o estranho ser, o que seria não só uma infração de trânsito grave como atrapalharia o fluxo constante. E, pior ainda, tal ato faria com que a pessoa que parasse para verificar a situação chegasse atrasada onde pretendia ir e mais atrasada ainda de onde pretendia voltar.

Muitos achavam que aquilo tudo não passava de uma lenda, dessas lendas urbanas de toda grande cidade… Porém, o fato é que o homem estava lá, parado, e todos podiam vê-lo!

Seja como for, as autoridades constituídas começaram a perceber o absurdo da situação. Dizia-se de rumores de outras pessoas em outras cidades que teriam também misteriosamente parado.

Um jornal sensacionalista, desses que gostam de cobrir escândalos e fazem matérias sobre OVNI’s e ET’s, tentou dar um furo de reportagem e divulgar a notícia para todo o país e para o exterior. Antes disso, porém, sites, blogs, emissoras de rádio e TV já cobriam o evento.

Dizia-se que o serviço de informação já desconfiava que isso poderia ocorrer e que, mesmo assim, o exército demorou a agir.

A oposição se agitava no Parlamento e culpava o governo de conivência.

Dizia-se que as autoridades eram na verdade marionetes de grupos misteriosos, de corporações com interesses escusos e, talvez, até da máfia.  Diziam, ainda, que o mandatário da nação não passava de um “banana” e não fazia nada.

Testemunhas afirmavam que o mesmo homem ou um homem muito parecido com ele, que também ia e vinha todos os dias ao mesmo lugar, ao sair e voltar para casa, já teria tentado parar outras vezes, mas sem sucesso.

Um deputado fez um longo pronunciamento sobre o assunto. Um ministro também o fez!

Um digital influencer protestou com cartazes em frente ao Parlamento e postou a manifestação em suas redes sociais, causando um escândalo sem proporções…

O dólar subiu e os investidores ameaçaram abandonar seus negócios no país.

Um ex-presidente se pronunciou. Informou que o governo já sabia. Teria provas irrefutáveis: “o governo já sabia”, bradava dos palanques!

Motoristas buzinavam em protesto.

Dois ministros pediram demissão. Outros tantos diziam que a esquerda tentaria tomar o poder a qualquer momento. Outros já calculavam o número de mortos e desaparecidos.

O caos se instalou.

Um atraso. Um desvio. Talvez pudessem ser tolerados – na verdade não poderiam – mas um homem parado em público. Isso era demais. O que fazer? Pensavam as autoridades.

No Estado Maior das Forças Armadas, todas as autoridades reunidas. Estabeleciam-se os planos.

Poderiam dar outro golpe, um autogolpe, como convencionalmente faziam… torturar guerrilheiros e dizer que nada disso tinha acontecido… Fazer o jogo sujo que sempre fizeram…

Um ataque rápido e direto com artilharia. Chamariam a tropa de elite das forças armadas?

Um psiquiatra para tratar o louco. Seria um louco?

Pensavam.

Talvez uma troca estratégica de prisioneiros e depois abafar o escândalo nas mídias com maciça propaganda… O problema era que o terrorista, parado, não negociava, não dizia suas intenções e nem a que grupo pertencia.

As idéias iam e vinham como tudo naquela cidade.

O problema continuava.

Resolveu-se, então!

Engenheiros, máquinas e peões na rua. Começava uma grande obra pública, com apoio das grandes empresas privadas da cidade. Outdoors anunciavam a grande inauguração. Era o progresso. Estava o prefeito, estava o ministro, o Estado Maior, ricos empresários, o presidente. Deram meio-dia inteiro – meio dia inteiro! – de feriado.

O povo clamava as inovações da grande urbe. A massa ordeiramente exaltava as inovações no espaço urbano…

Inaugurava-se o primeiro elevado da cidade. Com vários metros de altura, várias e amplas avenidas com cinco pistas de cada lado, área para trânsito exclusivo de motos, ciclovia de duas mãos, iluminação perfeita, guaritas especiais e modernas onde vários guardas poderiam o dia todo apitar para agilizar o trânsito.

O progresso, como sempre, trazia a redenção!

Embaixo do elevado uma área obscura, onde outrora havia uma grande, embora obsoleta, avenida. Já não servia aos propósitos de uma cidade movimentada.

Curiosamente um guarda armado fazia a segurança e impedia que qualquer transeunte tentasse observar a antiga pista.

O que teria lá? Por que um guarda evitando o acesso?

Ora, o importante é que o novo elevado era perfeito e deixava o trânsito fluir com toda a velocidade. Para que se preocupar com a antiga avenida? Quem perderia tempo olhando para baixo? Quem ousaria parar o trânsito?

Os carros iam e vinham.

As buzinas estavam a todo vapor naquela manhã ensolarada.

Pessoas corriam para chegar. Outras, tão rápidas quanto aquelas, voltavam apressadas.

Sempre iam a algum lugar.

O tempo passava rápido, tão rápido quanto o apito dos guardas.

Os guardas apitavam. As pessoas iam e vinham. Os guardas apitavam. As pessoas iam e vinham apressadas. Tudo parecia normal.

O trânsito fluía com rapidez e tranqüilidade.

A manhã estava mesmo ensolarada naquele dia…

Mas, de repente, em outra avenida da cidade, alguém parou no meio da pista movimentada…

Simplesmente parou!

Era tarde demais.

Nada mais seria como antes…

2 respostas para “O homem que parou.”

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