Na Amazônia não apenas chove muito, mas também chove variadamente, de muitas formas:
– Tem a chuva fina, a média, a forte e a chuva baguda;
– Aquela chuva branca, clarinha, que acompanha o sol das 14, 15 e 16 horas. Com essas, dizia-se antigamente: “Sol e chuva, casamento de viúva!”;
– O chuvisco e a chuva rápida, que cai em segundos;
– Aquela que chove bem perto de você, mas que não lhe molha;
– E aquela que parece que está só em cima da sua cabeça;
– Há aquela chuva que você quase vê ao longe, caindo sobre Belém, enquanto toma uma cerveja gelada sob o sol de Mosqueiro, Outeiro ou Cotijuba;
– E aquela que lhe encharca todo enquanto você segue seu caminho ao trampo, enquanto o seu bem-querer está tomando uma cerveja estupidamente gelada sob o sol de Mosqueiro, Outeiro ou Cotijuba;
– Tem a chuva que você vê vindo e alguém ao seu lado fala: “Corre, que lá vem ela!”;
– A chuva da esquerda para a direita e aquela da direita pra esquerda;
– A do leste para o oeste e vice-versa;
– Com vento e sem vento, a fria e a quente;
– A chuva que produz uma sauna dentro dos ônibus lotados da cidade;
– Tem a chuva que vem das ilhas, aquela que vem do Marajó;
– E aquela que vem do continente;
– A chuva que vem dos rios e igarapés;
– E tem a chuva que vem dos Andes, que desce nadando nas águas do Amazonas até chegar no Atlântico;
– A chuva intermitente que vai e volta por dias e dias seguidos;
– Aquela que mais parece um dilúvio, alaga tudo em minutos;
– Tem a chuva boa de dormir, que fica cantando nos telhados de zinco ou de telha de barro das casas de periferia;
– A chuva que ameaça, ameaça, ameaça, mas não cai;
– Aquela que cai e nem ameaçou;
– A que lhe força a parar debaixo de uma barraca de rua, da “tia” da esquina, que vende tacacá, carurú e vatapá;
– E aquela que lhe obriga a se proteger numa tasca onde vende peixe-frito e açaí;
– Tem aquela chuva chata que nos prende no escritório uma “meia-horinha” a mais, para o prazer e o enriquecimento do patrão;
– Mas tem também a chuva anticapitalista, que de manhã cedo nos dá murrinha e nos provoca a ficar na rede e dizer não à exploração de nossa força de trabalho;
– Tem a chuva com raios, com vento, com tempestade;
– A chuva que molha os rios, enfrentando-os e agitando suas águas;
– E a chuva que, de tão fininha, só faz cosquinhas na barriga das grandes marés;
– Tem a chuva boa para os curumins da periferia saírem pra brincar bola, pra correr, pra se molhar e escorregar na lama;
– E aquela que faz a molecada da Terra Firme e do Guamá pular de cima da ponte do Tucunduba;
– A chuva que facilita o trabalho dos moleques mangabezos e derruba todas as mangas maduras ao pé da mangueira;
– E ainda a chuva que faz passarinho tomar banho, gato se encolher num canto de casa e sapo passar a noite coaxando;
– Enfim, há chuvas, chuvas e chuvas…
No fundo, na Amazônia, todas as chuvas são boas e cumprem o seu papel, de trazer a vida e a morte (que na verdade é a renovação dos ciclos).
O que fez as chuvas parecerem ruins fomos nós, pessoas, humanos “civilizados”, que as isolamos no asfalto, poluímos, concretamos suas rotas milenares, desmatamos suas plantas e fontes para onde escorriam!
Transformamos chuva em desastre, em alagamentos!
Por isso que hoje tanta gente reclama da chuva, quando na verdade não deveria ser assim…
Sorte, ainda, é a das crianças amazônicas que não perdem tempo com guarda-chuvas ou reflexões como esta e devem estar correndo, agora, por todos os lados da grande planície, imersas em chuvas, igarapés, rios e felicidade!
Que a chuva proteja todos os nossos curumins!