Certa vez estava entrevistando um boêmio do bairro do Jurunas, com 70 anos de idade, num bar no próprio bairro, junto com outro amigo historiador.
A entrevista foi longa, mais de 3 horas de histórias sobre gafieiras, boates, sedes suburbanas, escolas de samba, músicas, músicos, personalidades do mundo da política, vida noturna etc.
Como a entrevista era no bar, regada a cerveja, uma exigência feita pelo entrevistado inclusive (e sacrifício enorme para os pesquisadores em questão!), lá por volta de 3 horas de conversa todos já estavam um pouco pra lá de Bagdá. Resultado que no final o entrevistado e os entrevistadores ficaram minutos e minutos seguidos fazendo agradecimentos mútuos pela entrevista e sobre o valor daquele documento memorialístico e tal…
Depois de dizer que a gravação ia ser encerrada – dissemos por várias vezes -, falei assim:
– “Bom, vamos desligar agora [no que disse o outro pesquisador: a conversa continua informalmente ainda!]”…
E continuei:
– “Agora vamos para a parte que os historiadores do futuro não ficarão sabendo!”.
Obviamente que o bate papo continuou ainda um bom tempo, ou várias e várias cervejas a mais.
Creio que no final de tudo isso nem os historiadores do futuro teriam possibilidade de saber o que conversamos e nem nós mesmos, pois a ressaca e a dor de cabeça do outro dia não permitiu que ficasse nada na memória, além daquilo que o gravador registrou…
Qual é a moral da história, neste caso?
Que tanto a memória quanto a história podem ser fluidas, como a cerveja. E muito mais vivas e ricas do que aquilo que é registrado.
Outras lições poderiam vir daí: a vida não cabe no Lattes, o bar não cabe no Lattes, o Lattes e o academicismo são um verdadeiro porre e, por fim, essa crônica não cabe no academicismo, nem no Lattes…
Fiquem à vontade para outras “lições da história”!
E tenho dito, mas só parcialmente registrado!
A Boemia é rica em história.
Quanto se fez na Boemia e pouco se contou na História.