Leituras compartilhadas… Paulo Freire e o “privilégio” dos opressores.

“Em verdade, instaurada uma situação de violência, de opressão, ela gera toda uma forma de ser e comportar-se nos que estão envolvidos nela. Nos opressores e nos oprimidos. Uns e outros, porque concretamente banhados nesta situação, refletem a opressão que os marca” (Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, 1970 ).

“Esta violência, como um processo, passa de geração a geração de opressores, que se vão fazendo legatários dela e formando-se no seu clima geral. Este clima cria nos opressores uma consciência fortemente possessiva. Possessiva do mundo e dos homens. Fora da posse direta, concreta, material, do mundo e dos homens, os opressores não se podem entender a si mesmos. Não podem ser. Deles como consciências necrófilas, diria Fromm que, sem esta posse, “perderiam el contacto con el mundo”. Daí que tendam a transformar tudo o que os cerca em objetos de seu domínio. A terra, os bens, a produção, a criação dos homens, os homens mesmos, o tempo em que estão os homens, tudo se reduz a objeto de seu comando” (Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, 1970 ).

“Por isto é que, para os opressores, o que vale é ter mais e cada vez mais, à custa, inclusive, do ter menos ou do nada ter dos oprimidos. Ser, para eles, é ter e ter como classe que tem (Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido, 1970).

Paulo Freire em 1970, em Pedagogia do Oprimido, já descrevia o processo de posição defensiva do opressor ao perder ou ter seus privilégios ameaçados. E de como o privilégio constitui uma cultura, aquilo que muitos marxistas chamariam de “modo de vida global”, que inclusive afeta também as consciências dos sem privilégios, dos oprimidos.

Afeta a todos, já que é estrutural, como o é o racismo, o machismo, a heteronormatividade excludente, etc. [diriamos hoje].

De fato, há vários elementos interessantes nos três fragmentos de Freire, citados no início deste poste. Vejamos:

  1. Traz consigo uma visão global do mundo, ou o mundo como totalidade. Algo comum em algumas vertentes do marxismo, por exemplo. Modo de vida global, totalidade, dialética entre aspectos culturais e modo de ação, ou a própria práxis que constitui a totalidade da vida social.
  2. Tem uma visão da cultura que se diferencia da tendencia “interpretativa”, digamos, da antropologia cultural. É uma visão antropo (do homem/mulher) como totalidade, não apenas como signo ou linguagem. Importante refletir que Freire escreve este livro antes da voga do giro linguístico ou pós-modernismo.
  3. Por fim, há uma clara sociologização do fenômeno da cultura, por isso podemos pensá-la como ethos ou habitus.

É uma visão verdadeiramente dialética e sofisticada daquilo que hoje muito se dicute como “privilégios”. Mais uma vez Paulo Freire se mostra um autor atual, imprescindível.

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