O duro trabalho da imagem da felicidade.

Uma das coisas mais trágicas das redes sociais, particularmente naquelas especializadas na imagem, é a cobrança permanente que elas fazem às pessoas para que “apareçam”, sejam vistas e vejam, permanentemente, quase que com única forma de existir (pelo menos no mundo virtual).

Não há existência sem imagem, autoimagem, projeção da imagem, a imagem alheira, a imagem do que se é, do que se quer ser, do que se imagina que se é, do que se busca ser, do que se projeta como vontade de ser mesmo que não se seja. Daí que deve ser muito cansativo, estafante mesmo, todos os dias parecer ser alguma coisa, seja lá qualquer coisa que se seja.

Existe um esgotamento físico e emocional, um gastamento permanente de energia de vida, todo santo dia parecer ser qualquer coisa: um sorriso, um relaxar-se na praia, uma divertir-se num bar com amigos, um estar concentrado lendo um livro, um estar contemplando uma paisagem, uma imagem de si assistindo a uma maratona de séries no fim de semana, uma imagem de si acariciando um cachorrinho, dentro da piscina, viajando, comendo, dormindo, acordando, entediado, animado, amando, sendo amado, de óculos, de lente, de cabelo arrumado, de cabelo bagunçado, de azul, nu, bocejando, comendo um sorvete, rindo, iluminado pelo sol, em lugares de paisagem fantástica, em lugares cotidianos, em pé, sentado, rindo, feliz, comendo um pão com manteiga, sarado, lacrador, “naturalmente” feliz, relaxado, fumando um cigarro, fazendo caridade, militando, sendo exemplar em suas posturas, sendo bonito, sendo bonita “sem nem sequer perceber” que é, de boas, treinando, lendo um filósofo qualquer, no clube, no shopping, na faculdade, na padaria, na pia, no avião…

Deve ser muito difícil, muito difícil mesmo, ser tanta coisa, tudo isso junto ou parte disso, todos os dias. Não porque não façamos tudo isso ou parte disso todos os dias, mas porque fazer coisas é algo natural que fazemos o tempo todo, queiramos ou não, gostemos ou não, estejamos felizes ou não. Porém parecer fazer (faça-se ou não) qualquer coisa que seja é um gasto de energia emocional, corporal, espiritual que nos corrói.

O ângulo tem que ser assim e assado, a paisagem tem que se adaptar, a luz, a profundidade, as cores, as crianças têm sorrir, o cachorro tem que colaborar, o gato não pode arranhar, o sol da praia tem que brilhar naquele instante, a bandeira da pátria ou do partido tem que balançar de maneira correta, a chuva tem que ser viçosa, a flor florida, a água cristalina, as coisas tem que parecer serem coisas e as pessoas devem parecerem pessoas… Tudo tem que se enquadrar.

Aquela imagem de felicidade que foi postada, na verdade é a 10ª de uma série de imagens que não ficaram boas. A 15ª, a 20ª. Fruto do duro e cansativo trabalho de parecer ser, independente do que se seja.

Não é como olhar no espelho. Esse papo de que Narciso acha feio o que não é espelho é cosa do passado.

Ninguém quer mais o espelho. O espelho é solitário, é privado, é melancólico, é o sujeito encarando a si mesmo, sem que haja a aparência para ninguém mais, a não ser à própria pessoa que olha para si mesma. O que importa olhar-se no espelho, esteja você feliz ou triste, quem vai ver, além de você mesmo? O espelho é para chorar, não para ser feliz! Não para aparecer.

O fato é que se faz um esforço permanente e desgastante para garantir o mundo da aparência, a parescência, a hiperimageticidade, a imagem de si, a imagem da imagem, a imagem que seja vista, que apareça, para que possa existir.

Daí que as pessoas buscam as fotos do agora, os #tbts, as fotos dos outros, as fotos dos outros consigo, as fotos do amigo consigo, do cachorro consigo, da paia consigo e todas as projeções possíveis da imagem, a imagem e a imagem.

No final do dia, alguém que tenha conseguido ser imageticamente popular e feliz há de permanecer, quem sabe, feliz para si mesmo, para além da imagem de felicidade que tenha projetado. Mas terá um novo e duro trabalho no dia seguinte, para manter-se como tal. Pois não basta sermos felizes, temos que parecer sermos felizes. E não basta parecermos felizes, temos que parecermos felizes todos os dias, sob o risco de desaparecermos. Não se pode perder tempo. Tempo é imagem! Para alguns imagem é dinheiro, para outros é consumo, e para muitos mais é um atraso ao aberto domínio do desespero, ao desaparecimento, a desexistência, a desistência.

Aquela outra pessoa que hoje não foi bem sucedida na elaboração da imagem de sua felicidade também dormirá esgotada, cansada, pelo duro trabalho. E estará ainda mais ciente de que no outro dia terá novo trabalho para parecer feliz e por consequência, talvez, ser feliz (mesmo que não seja). Um trabalho maior ainda do que o daquelas pessoas que pareceram a todos muito felizes (independentemente se foram ou não, isso, inclusive nem interessa).

Amanhã o trabalho vai ser dobrado, triplicado, quadruplicado.

Todos os dias são dias para parecer ser, seja lá o for.

No final, todos estarão exaustos. Uns mais, uns menos. Uns parecendo exaustos outros parecendo felizes, mas todos parecendo alguma coisa.  

Todos estarão cansados e a vida segue.

Amanhã tudo recomeça: parecer é existir e só existe quem aparece… até que se perceba que não se é mais, ou nunca se foi, aquilo que se imaginava ser, para além da aparência. E que, de tanta excessiva parescência, nem se sabe mais ser o que se é e o que se fora em algum momento da vida.  

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