Três breves constatações sobre a prática política das esquerdas

1. Corretamente importantes setores marxistas da esquerda reconheceram seu débito com perspectivas analíticas não exclusivamente “classistas”. Incorporaram as interseccionalidades raça/gênero à classe.

Obviamente que este mérito se deve muito mais aos “novos” movimentos sociais do que propriamente aos marxistas, (ex-)ortodoxos, que a algum tempo incorporaram tais questões em sua maneira de ver o mundo. Ou seja, os movimentos que atualmente difundem as ideias de interseccionalidades (particularmente o feminismo negro) forçaram uma revisão das formas de ver as contradições sociais por parte do conjunto das esquerdas, incluindo aí os marxismos.

Obviamente que isso não é um fenômeno novo, mas pode-se dizer que hoje o “senso comum” do pensamento progressista, e da esquerda de base marxista, já reconhece que sem as interseccionalidades não dá para fazer luta nenhuma. Esse se tornou um ponto comum na gramática das lutas coletivas da última década.

Porém, a meu ver, para todo o pensamento progressista, seja marxista ou não, o ponto fraco das interseccionalidades é ainda um tema que pouco se discute: as regionalidades/localidades. Sobretudo em um país como o Brasil, em suas dimensões geográficas gigantescas e com todas as suas diversidades/desigualdades intraterritoriais.

Nossas interseccionalidades são quase sempre de raça/classe/gênero (já melhoramos muito!), mas pouco raça/classe/gênero/região/localidade. Por isso a Amazônia, por exemplo, quase sempre vai a reboque das demandas da intelectualidade de esquerda sudestina que, como a intelectualidade sudestina em geral, constrói historicamente a ideia de “nação” e de “subversão” a partir do seu local de experiência política.

Na Amazônia, ou no Centro-Oeste etc. as demandas são outras. Ou, melhor dizendo, as mesmas demandas são constituídas de formas diferentes, com peculiaridades que recortam os temas raça/classe/gênero de forma específica. Mantemos um colonialismo interno na prática política da esquerda em vários temas. Isso precisa ser revisto! [Ainda vou falar mais sobre isso nos próximos dias quando tratar em outro poste do tema do “extermínio da juventude” em contexto urbano amazônico. Por hora fica a constatação].

Por fim, talvez pudéssemos incluir ainda a questão da geração ou etariedade. Pelo menos no que diz respeito às formas de ativismo… Pois é visível que muitas das práticas políticas do presente, sobretudo os ativismos virtuais, decorrem de uma postura de “nova geração” (geração 2013?), que ainda não foram totalmente incorporadas pelas antigas gerações de ativistas/militantes. Assim como as novas gerações não incorporaram ao todo a memória e formas de luta dos setores mais antigos (sindicais, partidários, por exemplo).

Daí que o “apartidarismo” ou “antipartidarismo” das “novas” esquerdas não deixa de ser, também, em muitos casos, uma diferença de método fundamentado numa diferença geracional. Muitos dos “novos/novas” não sabem muito bem o que faz um partido político ou um sindicato e nem está muito interessado em saber! Mas esse afastamento também decorre do fato de que a prática antiga (partidária e sindical, mantenho os exemplos) tenha estagnado, envelhecido mesmo, e se burocratizado, impedindo a comunicação com as formas, espaço e práticas de luta do presente.

Esse intervalo geracional impede que os “novos/novas” reconheçam o que foi “bom” do legado dos antigos (partidos e sindicatos) enquanto fazem a crítica correta sobre as práticas envelhecidas e burocratizadas, de um lado. De outro lado, o intervalo geracional impede que os “antigos” se oxigenem tanto em práticas, quanto em espaços e formas de ação política com os “novos”.

Assim, a aparente dicotomia entre ativismo “virtual” versus ativismo “real”, pode ser na verdade uma dupla incompreensão (também geracional) de cada um desses lados sobre o outro; uma vez que todos os espaço são importantes nas suas especificidades e, no final das contas, pertencem ao mesmo mundo de estruturas de poder globais: sejam os espaços políticos “reais” ou virtuais, da rua ou parlamentares, sindicais ou “da quebrada”, “nós por nós”, etc.

Sinais do tempo!

2. Paralelamente, desde o pico da última (e atual) grande crise cíclica do capitalismo (“oficialmente” 2008), que levou a uma reconfiguração da vida política mundial, os cientistas sociais e intelectuais fizeram as pazes com as “estruturas”, particularmente as macroeconômicas. Vejam só, o capitalismo existia então, não era uma ficção. O que é comprovado pela atual espoliação ultraliberal de Guedes/Bolsonaro e Cia.

Bom, mas isso nos leva a um tema importante, que é:

– Se o capitalismo como sistema econômico realmente existe (as estruturas existem, vejam só!) e a sua característica fundamental é (1) a constituição de grupos detentores do capital e (2) grupos vendedores da força de trabalho e excluídos do capital (independente do nome que tenham: proletariado ou uberiariado), a categoria classe volta a ser fundamental. Como sempre foi para o pensamento marxista.

Logo, alguns marxistas não estavam totalmente errados em ressaltar a classe, afinal. Estavam errados em não a relacionar com as demais estruturas: raça/gênero. E todos, marxistas ou não, permanecem com problemas ao não somarem à raça/classe/gênero temas como região/localidade e geração/etariedade, entre outros.

3. A boa síntese desse processo todo seria não perdermos o sentido de totalidade de nossa interpretação/práxis no mundo. A herança de nosso tempo é que, por mais difíceis que as coisas sejam e por mais fragmentárias que as percepções estejam, temos uma grande chance de juntar coisas, muito mais do que de separá-las.

Precisamos, portanto, de novas sínteses!

No capitalismo tudo que é sólido desmancha no ar, já dizia Marx. Cabe às esquerdas (marxistas ou não) (re)construírem as novas sínteses, daquilo que será o novo, sobre as ruínas que se encontram sob nossos pés!

2 respostas para “Três breves constatações sobre a prática política das esquerdas”

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