Bar do Chico, do Pedral, na TF…

Chico, o dono do bar: – Fala meu consagrado! Como vai? Não vai nada hoje, não?

Você, caminhando deboisticamente na rua: – Ôpa, como tá? Hoje não. Tô só de passagem hehehe

Chico, o dono do bar: – Sério mesmo? Nem umazinha?… Olha lá!…

Você, já se despedindo e seguindo sua viagem: – Hoje não, companheiro. Fica pra próxima…

Chico, o dono do bar: – Vem cá! Espera ai… [entrando no bar e retornando depois de alguns segundos com uma cerveja na mão…] Toma, pra ti… depois tu me pagas…

Munido da breja estupidamente gelada na mão, você segue seu caminho, confiante na humanidade e certo de que sim!… um dia os humilhados serão exaltados…

[História baseada em fatos reais ocorridos numa esquina qualquer de Belém do Pará, na última quinta-feira]

Do carimbó ao brega

Nos anos 1970, quando o carimbó havia transbordado das margens e acessado a indústria cultural local e em parte a nacional, o gênero tornou-se popular nas festas jovens da época. Do “pau-e-corda” ao carimbó “eletrônico”, de Verequete a Pinduca, tudo rolava nas festas do São Domingos à Assembleia Paraense.

Paralelamente, os “sonoros”, depois conhecidos como “aparelhagens”, que têm sua história remota em 1941 (com as “rádios de subúrbio”), tocavam gêneros “latinos”, sambas abolerados, jovem guarda, “música cafona” (termo comum nos anos 1970) e depois o “brega” (termo que vai substituir o termo “cafona”, nos anos 1980). E as mesmas aparelhagens tocavam sem parar, também, o carimbó.

Nessa época, alguns “conjuntos”, que animavam as festas periféricas, colocam em seu menu: cobertura sonora do evento festivo com “conjunto de carimbó” pau-e-corda e, se o cliente desejasse, com som mecânico.

Alguns reclamavam, outros gostavam desse estilo ou daquele, mas todos os sons vinham da mesma origem: as culturas periféricas de Belém do Pará, como território de incorporação e posterior (re)di-fusão dos vários tipos musicais do “povão” (inclusive do povão latino-americano).

Nós dois casos, carimbó e “música povão” ou “brega”, alguns artistas conseguiram por um tempo acessar a indústria cultural local (circuito de aparelhagens, rádios, TVs e gravadoras, como a Gravasom) e nacional, marcando seus nomes na tradição popular folclorizada ou na tradição popular-povão. Mas muitos outros, a maioria, permaneceram num circuito local e periférico: fazendo carimbós nos terreiros de chão batido ou fazendo a cobertura sonora nas gafieiras da periferia, tocando em barzinhos ou animando festas com músicas da moda do momento (tradição essa que vem dos grupos de “jazes”, passando pelas “bandas de baile”, “conjuntos” até o voz e teclado).

Mestre Vieira, por exemplo, tocou chorinho nos anos 1950, quando era o “Joaquim do Bandolim”, teve aparelhagem nos anos 1970 (aproximadamente) e criou um estilo popular-povão/música de gafieira que mais tarde seria chamado de “guitarrada” (hoje cultuado pelas vanguardas). Mas em sua época esteve quase sempre na margem da indústria cultural nacional, apesar de imerso na média indústria local.

Pinduca, idem: de maraqueiro/ritmista de banguês e conjuntos em Igarapé-Miri à “rei do carimbó” (“moderno”) e produtor musical de inúmeros bregueiros dos anos 1980, na Gravasom.

Verequete fazia samba e todos os gêneros que circulavam nas rádios, discos e “eletricidade”, além do “legítimo carimbó”; assim como o Mestre Cupijó, que se criou ouvindo “mambo” das “rádios cubanas” que chegavam a Cametá, além de ter “eletrificado” e “modernizado” os tambores afroameríndios que conformariam o siriá.

Moral da história: a cultura musical popular e das margens é o caldeirão de onde vem o carimbó, pau-e-corda e o “elétrico”, os sonoros e as aparelhagens (as sound systems que aqui são, talvez, mais antigas que na Jamaica), lambadas, guitarradas e siriás, bregas, tecnobregas e melodys, as pequenas aparelhagens que são transportadas de popopô nos riozinhos da Amazônia até as poucas “grandes aparelhagens”, que constituem apenas uma fração da indústria cultural local.

Por isso, cuidado, pois pode acontecer de você estar tomando uma breja no Ver-O-Peso, dis-traído pelas pulsações da música que o povo cria, e o “controlista” malandramente tocar de Verequete à Vieira, de Solano à Chimbinha, passando pelo Felipe Cordeiro, mandando um “ao por do sol”, um “gererê”, Gaby Amarantos e Dona Onete… e você pode nem perceber que curtiu tudo isso… E que a cerveja estava estupidamente gelada e que, ao final, tudo combinou!

O pequeno fascista

Descobriram que o Bolsonaro é, antes de tudo, um incompetente. De grande limitação intelectual, visível dificuldade de articular ideias e falas, com várias taras, traumas e inconstâncias derivadas de pulsões sexuais reprimidas. Um idiota.

Mas, antes de tudo, um incompetente!

Nunca foi um gênio do mal. Sempre foi um idiota do mal, que foi alçado ao centro do poder por um quase “acidente histórico” (o vácuo no poder dentro do Estado burguês provocado por uma crise de amplas dimensões).

Porém, um fascista de verdade, coerente com o fascismo que sempre defendeu a vida toda. Nunca blefou. Sempre foi o pior da política, sempre foi um escroto, golpista, fascista, miliciano periférico, pequeno. Mas antes de qualquer coisa, um incompetente. Um fascista e, além de tudo, um incompetente.

Parece que até mesmo alguns bolsonaristas, ou parte deles, perceberam que o Bolsonaro é um incompetente.

Mas ninguém deve comemorar tudo isso que está descrito acima, caso concorde comigo. Pelos seguintes motivos:

  • O fascista e incompetente ainda está lá. E vai continuar sedo que sempre foi: fascista e incompetente.
  • O mudo social que elevou Bolsonaro do baixo clero e o colocou na presidência ainda existe. E a elite econômica que, mesmo não o tendo como opção A, ganhou com seu governo, não vai largar o osso fácil.
  • Por fim, para todo fascista tem um fascismo. Para todo Bolsonaro, por mais incompetente que seja, existe um bolsonarismo. Mais forte ou menos incompetente, quem será e qual o poder que terá o próximo candidato a Bolsonaro da vez? Das hordas bolsonaristas alguns já até foram lançados como sucessores, tal como o tal do Zé Trovão… E o partido militar o que anda planejando?

No tempo curto da política, quem não faz leva e tudo pode acontecer. Inclusive nada. E o nada, para nós, continua sendo um deprimente cenário.

O tempo curto do golpe que não foi

Hoje se sabe que havia um golpe de fato em andamento, na madrugada do dia 6 para 7. Evitado, tudo indica, pela rapidez do STF em emparedar os generais, antes que a cena golpista tomasse conta das ruas de Brasília e a PM do DF “cedesse” voluntariamente ao caos.

Foi um quase golpe, mas mesmo assim, foi uma tentativa e não um “blefe” como alguns analistas diziam.

Isso prova algumas coisas:

  1. Que Bolsonaro não blefa, seu problema é ter ou não ter força. Agora Bolsonaro não conseguiu estabelecer um golpe, mas sua agenda é essa e seu governo, se continuar, será sempre a manutenção dessa atmosfera golpista (como sempre foi na verdade, desde o início).
  2. Bolsonaro “perdeu o timing”, mas deixou os bolsonaristas na rua, ativos, delirantes e, tudo indica, sem líder. Mostrou-se um fraco em não os guiar ao que foi prometido.
  3. Seja por sua fraqueza ou, contraditoriamente, seja por seu golpismo em potência e delírio endêmico, só há um caminho para o país: a renúncia ou impeachment e prisão do fascista!

O problema é saber o quão fracos, desorientados ou decididos do seu papel histórico estarão os outros sujeitos desse cenário:

a) A esquerda, que deveria ir pra rua imediatamente em resposta ao golpe frustrado (mas até agora nem pauta própria tem e ainda está a decidir se adere ou não à pauta da direita liberal no dia 12).

b) E o que restou do sistema formal: Parlamento, STF etc.

Estamos no tempo curto da política. Quem perder o timing perde espaço. Parece que os próximos dias serão decisivos.

#NãoTeveGolpe? Ou o “golpe está ai, só cai nele quem não o derrubar primeiro”

Não dá para comemorar o mais do mesmo! É necessário irmos mais. Hoje é 8 de setembro, não teve golpe, mas também não deixou de ter!

Vi que muitos companheiros e companheiras já levantaram a hashtag #NãoTeveGolpe para comemorar o fato de que ontem, 7 de setembro, não houve um golpe em termos clássicos, com tanques na rua, militares reprimindo a população, prisões, fechamento do STF e Congresso etc.

Me somo a esses companheiros e repito: #NãoTeveGolpe.

Mas fico com uma leve impressão que compartilho com vocês: o mais adequado seria, de fato, a hashtag #NãoTeveGolpe ou a hashtag alternativa: #UfaNãoHouveGolpe ?…

A pergunta perece ingênua e a diferença pequena, mas não é tão pequena assim.

Pois vejamos:

– Bolsonaro, mesmo estando em um momento de desgaste, perda de credibilidade em suas bases populares e até mesmo em setores da burguesia nacional, conseguiu levar milhares de pessoas para a rua;

– Bolsonaro não deu um golpe mas disse, e com certeza deve acreditar no seu próprio delírio, que começou um novo momento da história do país e que o STF não tem mais credibilidade nenhuma. Ele deu o seu recado e fez um ato político com muitas ilegalidades, mais uma vez. E continua lá;

– Muito provavelmente Bolsonaro fez todo esse reboliço em parte financiado com dinheiro público, o que em si já merecia seu afastamento (mais uma vez). E usou dinheiro privado que ainda não sabemos de onde veio. Mas o fez, mais uma vez;

– Bolsonaro parece ter conseguido dar um pouco de “gás” para suas bases populares que pareciam estar esmorecidas nos últimos meses. Dizer que teve menos gente do que o previsto não anula o fato de que teve milhares de pessoas indo à rua. Inclusive caravanas de vários estados do Brasil rumo a Brasília e mesmo atos menores em cidade pequenas do interior do Brasil, com carros-som, motociatas etc. Não se enganem com a foto que circula na rede com a imagem de Brasília e a hashtag #flopou, indicando que as manifestações teriam sido um fracasso. Podem não ter sido o grande sucesso esperado pelos fascistas, mas ainda assim apresentaram um público significativo;

– Aceitemos, Bolsonaro fez a pauta: tornou (mais uma vez) o 7 de setembro uma data da extrema direita “patriótica” e mofada. Não que essa data tenha sido em algum momento um símbolo da resistência popular, das lutas sociais etc. Mas, não nos enganemos, símbolos como a bandeira do Brasil, a “pátria” etc., são sim símbolos populares e milhares de pessoas vão todos os anos assistir os desfiles militares por gostarem da festa “cívico-militar” e por terem esses desfiles (inclusive os desfiles escolares da época) como elementos importantes das suas culturas populares. Bolsonaro usou e abusou dessa simbologia e, em boa parte, pautou a rua neste dia. [PS.: Isso não tira o mérito de quem fez o contraponto indo à rua. Na verdade valoriza mais ainda a papel de enfrentamento dos Gritos dos Excluídos e Excluídas de ontem];

– Um último ponto: para mim o golpe já está entre nós, em termos práticos e simbólicos, desde pelo menos dois momentos: 1) Em 2016, por motivos óbvios. 2) Quando o termo “golpe” passou a circular livremente na gramática política nacional (televisão, internet, rádio, falas parlamentares, falas judiciárias, falas do genocida, falas cotidianas da população etc.) sem causar horror, repulsa coletiva imediata e reação contrária imediata.

Ou seja, (mais) este ato de discurso golpista (efetivado ou não) mantém uma tendência e mantém o fato de que o governo Bolsonaro segue fazendo o que se propõe fazer, coerente consigo mesmo, fascista, delirante e autoconfiante! E segue realizando boa parte de sua pauta de destruição dos direitos e pilhagem das riquezas nacionais (que tem apoio de parte significativa da elite que mesmo não o tendo como plano A ainda o vê como necessário, até aparecer algo melhor para a direita e que possa competir com o Lula, por exemplo). E as demais “instituições”, a reboque, uma vez que até aqui, de fato, não impediram que as permanentes ameaças criminosas de um golpe continuassem.

Por isso, apesar de não ter dado um golpe de fato, Bolsonaro fez muito, muito barulho. Se ele está em um momento de maior fragilidade e perdendo forças, de um lado, segue atacando (coisa aliás que sempre fez e sempre fará) e mostrando para a direta liberal, para a esquerda em geral e para todos, que não é carta fora do baralho.

Ou vocês acham que, agora que não deu um golpe, Bolsonaro vai se acomodar e viveremos uma linda fase pós-quase-golpe, tempo do #NãoTeveGolpe e império dos memes festivos?

Em outros termos, o Bolsonaro continua lá, fazendo o que sempre fez, amaçando golpes, e isso por si só já é um fato criminoso, tenha ele realizado ou não o golpe. Com Bolsonaro, o golpe sempre esteve, sempre está e sempre estará aí, pairando no ar.

O golpe está aí, só cai nele quem não o derrubar primeiro!